Um erro e uma aposta

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*Por Romero Venâncio

Sobre um erro estratégico-teológico e uma aposta.

Não é segredo para ninguém e menos ainda para quem estuda o catolicismo romano no Brasil que a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro tem sido um real problema na ação pastoral urbana. Desde a década de 70, os Bispos/Cardeais que governam a Igreja no estado, alimentam uma postura conservadora que beira ao anacronismo em termos de prática pastoral e leitura teológica do mundo.

Sempre tem as exceções, mas a regra é um distanciamento do mundo dos mais pobres e das imensas periferias que definem o Rio de Janeiro real. Esses prelados que atuam no Rio acreditam piamente que a administração dos sacramentos nas periferias é a forma mais certeira de evangelização. Tendo as missas diariamente e outras práticas sacramentais, o catolicismo tem seu lugar garantido na vida das pessoas.

As classes médias católicas têm suas “confrarias conservadoras” propaladas em redes sociais e criando confusões teológicas sempre que possível. Não precisamos prosseguir mais nestes equívocos lamentáveis numa “pastoral urbana”. A prova disto? O rio de Janeiro é hoje o estado mais “pentecostal” do Brasil. Com isto, não queremos aqui fazer apenas uma crítica ao movimento pentecostal (mais complexo do que imaginamos) ou demonstrar alguma superioridade do catolicismo em relação a eles. Não se trata disto. Se trata de identificar uma prática pastoral profundamente equivocada e sem uma estratégia eficiente num mundo urbano, periférico e em constante mutação.

O capitalismo numa cidade como o Rio de Janeiro tem peculiaridades e que foram dinamizadas cada vez mais no Século XX. Era preciso ter uma atividade pastoral moderna e antenada com as mudanças nas periferias de uma cidade que cresce desordenadamente e exclui constantemente os mais pobres.

A história das práticas dos cardeais e bispos do Rio de Janeiro desde Dom Sebastião Leme é acreditar e implementar uma política de aproximação com os ricos e os políticos no poder de plantão. Se a Igreja evangeliza os poderosos e mantém bom relação com eles, estaria ela fazendo a política pastoral correta. Evitar a todo custo conflitos e embates passa a ser a missão da Igreja (ver as pesquisas de Riolando Azzi). Nunca defendemos que Igreja deva ter um partido político ou fazer campanha para candidato algum. Essa não pode ser a tarefa da Igreja. Mas jamais deveria se afastar da luta contra a pobreza ou por ações sociais efetivas que beneficiem os mais vulneráveis.

Não se constrói uma efetiva pastoral urbana sem uma profunda sensibilidade social coletiva. A atitude dos últimos cardeais do Rio de Janeiro tem demostrado exatamente o contrário: uma insensibilidade social e uma aposta em defesa de temas morais como prática pastoral. A pobreza e seu combate têm bem menos importância do que coisas sem sentido como “ideologia de gênero”. Cada vez mais fraca e desatualizada a formação teológica dos seminaristas em seminários católicos no Rio. Uma formação teológica fechada, afastada do povo, com uma cultura pré-Vaticano II. Com essas práticas, não tem catolicismo sério que resista. Estão à anos luz dos objetivos do Papa Francisco. Sinodalidade e “Igreja em saída” não fazem parte das ações pastorais da Arquidiocese do Rio. Não temos nenhuma possibilidade de diálogo entre a Igreja católica no Rio e a cultura intelectual consolidada na cidade, nas universidades ou nos meios de comunicação. Uma Igreja à deriva se achando no melhor dos mundos possíveis.

Uma aposta. Espero que o Papa Francisco tenha vida longa em seu pontificado para conseguir emplacar um bispo/cardeal antenado com uma pastoral urbana eficiente e justa no Rio de Janeiro quando gente como Dom Orani Tempesta chegar ao fim. Temos até um nome que seria ideal nesta atual conjuntura para ser pastor-bispo na terra de São Sebastião: Dom Vicente Ferreira. O bispo mais inteligente que conhecemos e ligado à vida urbana que vemos na Igreja do Brasil.

Atualmente, Dom Vicente é bispo auxiliar na cidade de Belo Horizonte. Acabei de ler suas reflexões no livro: “Brumadinho. 25 é todo dia” publicado pela editora Expressão popular (2020). O livro é o resultado do envolvimento de Dom Vicente com a comunidade, depois da destruição de Brumadinho, em 25 de janeiro de 2018. Uma espécie de crônica poética que expressa o pensamento, o sentimento, a dor e a revolta daqueles que perderam seus parentes e amigos com o rompimento da barragem de rejeitos pela mineradora Vale. Em alguns momentos, o autor nos faz ouvir as vozes daqueles que foram levados pela lama tóxica, com a reconstrução dos fatos do crime ambiental e social. Os católicos do Rio de Janeiro precisam de um pastor como Dom Vicente.

* Romero Venâncio é professor de Filosofia (Graduação e Pós-graduação) e Cinema (Pós-Graduação) na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Possui formação nas áreas de Filosofia, Teologia e Sociologia.